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A Segurança de Voo no Exército Americano |
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Em recente Curso de Segurança de Voo(ASOC) realizado junto a Aviação do Exército dos Estados Unidos pude experimentar alguns ensinamentos que gostaria de compartilhar no presente artigo. Para tanto, elegi três tópicos principais os quais passo a resumidamente discorrer a seguir.
O primeiro relata o papel da segurança de voo na manutenção do poder de combate da Aviação do Exército dos EUA. O segundo, discorre sobre a utilização predominante de ferramentas informatizadas como suporte à prevenção de acidentes. E por último, apresento alguns índices de segurança alcançados por aquela aviação, reconhecidamente uma das maiores e mais operacionais aviações do exército no mundo.
Antes de mais nada, ressalto que longe de fazer qualquer juízo de valor ou comparações indevidas, meu objetivo maior é apresentar idéias que possam servir de inspiração ao desenvolvimento de soluções próprias para os nossos desafios, visando a melhoria da segurança de voo e da operacionalidade na Aviação do Exército Brasileiro. Além disso, cabe ressaltar ao leitor, que a Aviação do Exército Americana, face a imensa quantidade de meios disponíveis, adota muitas vezes soluções próprias, difíceis de serem adotadas até por aviações de países desenvolvidos.
Logo que tomei contato com o programa do curso, me causou estranheza a grande carga horária destinada à segurança em geral. Diferente do eu havia visto até então nos cursos de segurança de voo que realizara, as 3 primeiras semanas (metade do curso) praticamente nada se falou sobre aviação. Os temas abrangeram segurança contra incêndios, padronização de construções, normas de segurança no trabalho, acidentes de trânsito, normas de padronização e muita, muita legislação! Tudo enfim, com enfoque à segurança no sentido lato, longe das especificidades próprias da aviação.
Diante desse quadro, percebi que o Exército dos EUA havia expandido os conceitos de prevenção de acidentes originários da aviação para todo o Exército. A segurança de voo é tratada como um subsistema dentro do mundo da Segurança no Exército Americano cujo principal objetivo é manter a salvo e em condições de combate o pessoal e o material militares. Neste contexto, os oficiais de segurança de voo são, antes de tudo, agentes de segurança no sentido mais amplo. Os acidentes, quaisquer que sejam, inclusive aqueles fora de serviço, são tratados utilizando-s da filosofia aeronáutica com foco na prevenção e geram ensinamentos e recomendações de segurança para todo o exército.
Inúmeras são as campanhas visando a redução de acidentes de trânsito, náuticos, com armas de fogo e até mesmo domésticos. Os militares são o principal objetivo dessas campanhas, mas a segurança da família também é uma preocupação constante. Eles defendem essa concepção com números que indicam que acidentes fora do trabalho ou envolvendo pessoas da família são responsáveis por uma considerável taxa de ausências ao serviço, reduzindo dias trabalhados e portanto a operacionalidade das unidades.
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Figura 01 - Campanha de Prevenção de Acidentes |
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A aviação do exército dos EUA tem hoje cerca de 5200 aeronaves, sendo 4900 helicópteros. Atuando praticamente em todo o globo em missões diversas, voa a espantosa marca de 1.2 milhões de horas/ano (helicópteros, aviões e ARP), sendo registrado no ano de 2012 160 acidentes aeronáuticos.
O resultado das investigações desse grande número de ocorrências aliado às vistorias de segurança, aos relatórios de prevenção, as pesquisas de clima organizacional, às divulgações operacionais e etc, são geradas uma enorme gama de informações que seriam impossíveis de gerenciar de forma convencional.
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Para isso foi criado, diretamente subordinado ao Secretário do Exército, o Army Combat Readiness Safety Center , órgão central dessa imensa estrutura de segurança que além de centro de formação dos recursos humanos é o gestor de toda a informação relativa a investigação e a prevenção de acidentes do Exército. Por meio dele funciona um robusto sistema calcado na tecnologia da informação. Nele são inseridas todas as informações relativas a investigação e a prevenção de acidentes, formando um grande sistema de banco de dados interativo que possibilita a produção e a difusão do conhecimento de segurança.
O sistema é apresentado e organizado na forma de uma página da web onde qualquer membro do exército pode, conforme seu nível de acesso do sistema, gerar e obter informações.
Essa ferramenta que pude explorar durante o curso com algumas restrições, me fez vislumbrar a solução para alguns problemas de gestão das informações que enfrentei quando oficial de segurança de voo no 3º BAvEx.
Mesmo não tendo o gigantismo da aviação americana, produzimos uma gama enorme de informações e recomendações de segurança que muitas vezes não estão disponíveis ou estão desatualizadas, criando
falta de confiabilidade e ferindo um princípio básico da informação, a oportunidade.
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Figura 02 -Visualização webpage do US Army Readiness Safety Center |
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No que tange aos índices de segurança de voo cabe ressaltar o seguinte aspecto. Ao se considerar apenas os acidentes mais graves (classe A, B e C) a aviação do exército americano tem em média 97 acidentes aéreos todo ano. Um valor elevado se o considerarmos em termos absolutos, contudo ao relacionarmos este número às horas voadas, teremos uma média de 7,83 acidentes para cada 100000 horas de voo. Este número está bem próximo dos índices da nossa aviação que nas últimas 100000 horas teve 8 acidentes com as mesmas características.
Entretanto ao se tratar o número de fatalidades relacionadas a esses acidentes a aviação do exército americano apresenta muito melhores índices, sendo 0,99 fatalidades para cada 100000 horas de voo contra 15 da nossa aviação. Explicar essa diferença é uma difícil tarefa que não pretendo explorar neste texto, mas após realizar o curso de segurança de voo lá, posso citar alguns pontos que podem estar contribuindo para os baixos índices de fatalidades naquele exército mesmo voando em missões de alto risco.
O primeiro deles é a utilização de um processo de gerenciamento do risco amplo, apoiado em sistema informatizado, realizado nos vários níveis de planejamento, customizado para cada tipo de missão e muito difundido no exército. O segundo, é a preocupação na compra, no desenvolvimento e na constante avaliação de equipamentos individuais que realmente garantam as melhores condições de proteção para as tripulações (capacetes, uniformes, coturnos, etc). E por último, talvez mais notória, a preocupação no desenvolvimento de requisitos que orientem a aquisição de aeronaves que disponham da melhor tecnologia de proteção para seus ocupantes (bancos anti-crash, reforço na célula de sobrevivência, air bags, etc).
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Figura 03 -
A esquerda o novo capacete adotado pela Aviação do Exército dos EUA. Testado pelo US Army Medical Research Institute apresentou muito maior proteção, resistência a impactos, equilíbrio do que o modelo anterior (a direita), este ainda utilizado pela Aviação do Exército Brasileiro. |
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Outro aspecto interessante e que tem profunda relação com a melhoria nas condições segurança está na maneira como são classificadas as ocorrências aeronáuticas no US Army. Diferente do que ocorre aqui no Brasil em que classificamos basicamente em 3(três) categorias: acidente, incidente ou ocorrência de solo. Lá é utilizada uma tabela de classificação mais detalhada conforme o custo de reparação e/ou os ferimentos causados(tabela 3). Além dela, também são tabelados os custos relacionados à perda de determinados profissionais de difícil formação.(tabela 4)
Em linhas gerais a classificação vai dos acidentes mais graves ou classe A até os de menor gravidade ou classe F.
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Classificação dos Acidentes |
Custo de reparação (US$) |
Fatalidades / Incapacidade para trabalho/ Hospitalização |
Classe A |
> 2.000.000 ou anv destruída, perdida ou abandonada |
Uma ou mais fatalidades ou total e permanente incapacidade |
Classe B |
>500.000 < 2.000.000 |
Parcial e permanente incapacidade ou > 3 hospitalizados |
Classe C |
>50.000 < 500.000 |
Ferimentos que causem mais de 1 dia de afastamento do trabalho |
Classe D |
>2.000 < 50.000 |
Ferimentos menores que não causem afastamento |
Classe E |
< 2. 000 |
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Classe F |
Os que apesar de terem maior custo estão relacionados aos danos motores e FOD |
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Tabela 1 -
Fonte: AR 385-10 (tradução do autor)
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Tabela 02 -
Fonte: AR 385-10 (tradução do autor) |
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A classificação dos acidentes em termos monetários, bem como a adoção de mais classes de ocorrências ajuda a avaliar o desempenho e defender a implementação de novas tecnologias e procedimentos de segurança. São um maior número de indicadores que permitem compreender se houve redução direta do números ou da gravidade dos acidentes, contribuindo para salvar recursos da aviação do exército.
Como conclusão, gostaria de ressaltar que em linhas gerais a forma como é tratada a segurança de voo na Aviação do Exército dos EUA não difere da nossa, pois ambos estão muito bem alinhados com as normas internacionais que regem o tema. Entretanto, muito podemos aprender com eles pela maneira ampla e pragmática como é vista a segurança. Mais do que preservar recursos e vidas, preserva-se o poder de combate do exército e, portanto todo o gasto com prevenção e investigação de acidentes deve ser encarado como investimento.
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Maj Ronaldo Diniz
Chefe da Divisão de Doutrina e Padronização / CIAvEx |
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