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Perigo Aviário em Taubaté – O risco “mora” em casa.
 
1. Introdução

 

O crescimento da população brasileira associado à ocupação desordenada do solo urbano, aos sistemas de coleta pouco eficientes, à demanda por locais para destinação de resíduos sólidos e às condições ainda inadequadas de Saneamento básico são, na grande maioria dos casos, as condições encontradas nos municípios brasileiros. Em 2000, segundo o IBGE, 52,8% dos municípios brasileiros lançavam seus resíduos em lixões, após uma década, novamente o IBGE fez um levantamento e a situação não melhorou muito, pois apesar da redução para 50,8%, aproximadamente 64 mil toneladas de lixo, ainda estavam sendo despejadas no solo brasileiro a cada dia; tais condições, além de causar a proliferação de doenças, atraem quantidades significativas de aves em busca de alimento. A situação município de Taubaté, não é diferente, em 2009, técnicos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB interditaram o aterro sanitário da cidade, pela disposição inadequada de resíduos. O aterro recebia lixo domiciliar e resíduos da construção civil. Na última vistoria, antes da interdição, constatou-se que o depósito de lixo do município chegou a uma situação insustentável, transformando o local num sistema mal operado, sem a devida cobertura dos resíduos com terra, o que proporcionou a presença de catadores, de urubus e de moscas. Os técnicos constataram, ainda, o extravasamento de chorume em várias partes do aterro, canaletas de águas pluviais entupidas e aumento da altura do maciço de resíduo sem aprovação do órgão ambiental.
A imagem abaixo mostra a localização aproximada do antigo aterro de Taubaté (próximo da chácara São Silvestre) em relação ao nosso aeródromo.


 

Figura 01 - Antigo aterro de Taubaté - muito próximo do aeródromo
 


O assunto Risco Aviário já foi tratado diversas vezes em outros artigos, mas merece sempre atenção de todos que dividem o espaço aéreo com os verdadeiros “usuários”; meu objetivo neste é tratar sobre risco aviário no espaço aéreo próximo ao aeródromo de Taubaté (SBTA) baseado em levantamentos feitos pela Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAA) do Comando de Aviação do Exército (CAvEx).
Quando iniciei a pesquisa de artigos que tratassem de temas semelhantes para que pudesse ter como referência, encontrei um com o título “A EVOLUÇÃO DO RISCO AVIÁRIO NO BRASIL”, publicado na Revita Conexão SIPAER, v. 3, n.2, mar-abr 2012 do Maj Aviador da FAB Francisco José de Azevedo Morais, Gerente do Programa de Risco Aviário do CENIPA.
No artigo supracitado o autor aborda e quantifica as colisões relatadas através das ferramentas de segurança de voo disponíveis no Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos sobre vários aspectos; com intuito de realizar uma comparação e traçar um paralelo com a nossa realidade em SBTA, vou me ater especificamente ao que se refere à altura das colisões.
A análise do Gerente do Programa de Risco Aviário do CENIPA se baseou em 3300 colisões oriunda das estatísticas do CENIPA, no período de 2006 a 2010, das quais 61 (sessenta e uma) foram excluídas, por se tratarem de colisões com animais da fauna terrestre ou morcegos, restando 3239 eventos válidos para o estudo em questão; desses 3239 eventos, apenas 1195 apresentaram altitude identificada. Assim, as porcentagens relacionadas aos níveis de voo em que aconteceram as colisões foram calculadas com base nos eventos em que a altura foi identificada. A maioria das colisões, 70,29%, nas quais a altura do choque foi identificada, ocorreu até 500 ft de altura. Entre 0 e 3000 ft, ocorreram 92,46% das colisões avaliadas (Tabela 01).

 

 

Altura(ft)

Quantidade

Participação no total (%)

Acumulada (%)

0 -100

604

50,54

50,54

101 – 500

236

19,75

70,29

501 – 1500

183

15,31

85,60

1501 – 3000

82

6,86

92,46

3001 – 10000

83

6,95

99,41

10001 – 36000

7

0,59

100

> 36000

0

0

100

Total

1195

 

 

Tabela 01 - Colisões em cada faixa de altura entre 2006 e 2010

 
2. Reporte de eventos com pássaros através dos anos desde a criação da Aviação do Exército

Feita a introdução, vou apresentar agora dados de eventos envolvendo pássaros (colisão, quase colisão e avistamento) ocorridos em SBTA. A última atualização da lista de incidente envolvendo pássaros na Aviação do Exército (AvEx), realizada pela Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do Comando de Aviação do Exército (SIPAA/CAvEx) em junho de 2011, trazia informações sobre 56 (cinquenta e seis) reportes. No intuito de atualizar as informações para elaboração deste artigo, foi realizada uma pesquisa no site do CENIPA dos reportes feitos através da FICHA CENIPA 15 (Gerenciamento do Risco Aviário) do período compreendido entre o último reporte de conhecimento da SIPAA/CAvEx datado de 02 de junho de 2011 até o final do mês de outubro de 2012, onde nessa nova consulta foram encontrados 12 (doze) eventos, somando um total de 68 (sessenta e oito) eventos. Nesse contexto, este artigo aborda e quantifica aspectos relacionados à quantidade de reportes de eventos, locais onde ocorreram os eventos, quantidades de reportes pelas unidades aéreas do CAvEx e espécies de aves envolvidas de forma a delinear um quadro da situação deste tipo de ocorrência em SBTA.
Acreditava-se que o total de reporte de ocorrências com pássaros na AvEx desde sua recriação tivesse aumentado com o passar dos anos, pois foi o que ocorreu com número de reportes de qualquer situação de risco através do relatório de prevenção (anteriormente chamado de relatório de perigo), porém essa conclusão não pode ser transferida para o mesmo. Como podemos observar na tabela 2, o reporte de eventos envolvendo pássaros está crescendo muito nesse ano de 2012, 14,70% até outubro; porém em todos os anos anteriores, não foi possível tirar conclusões quanto “curva” de reportes.

A Tabela 2. Apresenta a quantidade de reportes em eventos com pássaros através dos anos desde os primeiros anos da Aviação do Exército

Ano

quantidade

Participação no total (%)

Acumulada (%)

Ano de 1991

01 reporte

1,47

1,47

Ano de 1992

01 reporte

1,47

2,94

Ano de 1993

03 reportes

4,41

7,35

Ano de 1994

07 reportes

10,29

17,64

Ano de 1995

06 reportes

8,82

26,46

Ano de 1996

02 reportes

2,94

29,4

Ano de 1997

02 reportes

2,94

32,34

Ano de 1998

03 reportes

4,41

36,75

Ano de 1999

02 reportes

2,94

39,69

Ano de 2000

01 reporte

1,47

41,16

Ano de 2001

Não houve reporte

0

41,16

Ano de 2002

04 reportes

5,88

47,04

Ano de 2003

02 reportes

2,94

49,98

Ano de 2004

Não houve reporte

0

49,98

Ano de 2005

01 reporte

1,47

51,45

Ano de 2006

04 reportes

5,88

57,33

Ano de 2007

06 reportes

8,82

66,15

Ano de 2008

02 reportes

2,94

69,09

Ano de 2009

02 reportes

2,94

72,03

Ano de 2010

06 reportes

8,82

80,85

Ano de 2011

03 reportes

4,41

85,26

Ano de 2012
(até 31 de outubro)

10 reportes

14,70

100

Total

68 reportes

-

-

Tabela 02 - Número total de reportes 1991- 2012 (outubro)
 
3. Locais onde ocorreram o evento

No total de 68 (sessenta e oito) eventos, apenas 24 (vinte e quatro) apresentaram o local onde ocorreram. Assim as porcentagens relacionadas aos locais de em que ocorreram os eventos foram calculadas com base somente nesses casos em que os locais foram identificados.
A maioria dos eventos, nos quais foi identificado o local dos mesmos, aconteceu em SBTA, 70,84%, seguido de São Pedro Dáldeia, onde ocorre o Estágio de Pilotagem Tática (EPT) com 12,5% e completando o levantamento, mais 04 (quatro) eventos isolados, incluindo um no exterior.

A Tabela 3. Apresenta a quantidade de eventos em diferentes locais do país e até do exterior.

LOCAL

Quantidade

Participação
 no total (%)

Acumulada (%)

Em SBTA

17 eventos

70,84

70,84

Em SBES

03 eventos

12,5

83,3

Pindamonhangaba-SP

01 evento

4,16

87,49

Campo de Marte – SBMT

01 evento

4,16

91,65

Rio de Janeiro (voo de cruzeiro)

01 evento

4,16

95,81

Trinidad - Bolívia

01 evento

4,16

100

Total

24 eventos

-

-

Tabela 03 - Locais dos Eventos
 
4. Reporte por Unidade Aérea

 

Apesar das verdadeiras “usuárias” do espaço aéreo não escolherem suas “vítimas”, a finalidade desse levantamento de reportes por unidade aérea, foi feito no sentido de alertar as mesmas que esse perigo existe e que somente o reporte contínuo através de RELPREV e também a FICHA CENIPA 15, podemos aumentar o nível de atenção dos aeronavegantes. Considerando todas as unidades aéreas da AvEx (tabela 4) verificamos uma diferença significativa de quantidade de reportes entre as mesmas, o 1° BAvEx (1°Btl Heclp / 1° Esqd AvEx ) apresenta 29,41% reportes, seguido do CIAvEx com 20,58% e do 4° BAvEx (4° Esqd AvEx / MOMEP). Se considerarmos os reportes realizados somente pelas unidades aéreas sediadas em Taubaté, objeto desse artigo, (tabela 5) verificamos uma diferença ainda maior, o 1° BAvEx (1°Btl Heclp / 1° Esqd AvEx ) apresenta 37,04% dos mesmos, seguido do CIAvEx com 33,33% e do 2° BAvEx (2° Esqd AvEx) com 13,23%. O 3° BAvEx (3°Esqd AvEx) para fins de percentual, manteve-se incluído nas unidades de Taubaté, pois na lista de reportes da SIPAA/ CAvEx e na pesquisa no site de CENIPA, não existe nenhum registro de reporte da daquela OM sobre esse tipo de evento após a transferência da mesma para Campo Grande-MS. Sobre esse aspecto ainda, se consultarmos os 12 (doze) eventos mais recentes reportados no site do CENIPA através da FICHA CENIPA 15, somente 03 (três) unidades aéreas da AvEx são encontradas 1° BAvEx (06 reportes), CIAvEx (03 reportes), 2° BAvEx (01 reporte) e 02 reportes de autores desconhecidos.
A Tabela 4. Apresenta a quantidade de reportes realizados por todas as unidades da AvEx.

 

Unidade Aérea

quantidade

Participação
 no total (%)

Acumulada (%)

1°Btl Heclp / 1° Esqd AvEx / 1° BAvEx

20 reportes

29,41

29,41

2° Esqd AvEx / 2° BAvEx

09 reportes

13,23

42,64

3° Esqd AvEx / 3° BAvEx

04 reportes

5,88

48,52

4° Esqd AvEx / 4° BAvEx/ MOMEP

14 reportes

20,58

69,1

CIAvEx

18 reportes

26,47

95,57

B Mnt Sup AvEx

01 reportes

1,47

97,04

Não informado

02 reportes

2,94

100

Total

68 reportes

-

-

Tabela 4 – reportes por unidade aérea (Todas da AvEx)
 
A Tabela 5. Apresenta a quantidade de reportes realizados somente pelas unidades da AvEx sediadas em Taubaté.
 

Unidade Aérea

quantidade

Participação
 no total (%)

Acumulada (%)

1°Btl Heclp / 1° Esqd AvEx / 1° BAvEx

20 reportes

37,04

37,04

2° Esqd AvEx / 2° BAvEx

09 reportes

16,67

53,71

3° Esqd AvEx / 3° BAvEx

04 reportes

7,41

61,12

CIAvEx

18 reportes

33,33

94,45

B Mnt Sup AvEx

01 reportes

1,85

96,3

Não informado

02 reportes

3,70

100

Total

54 reportes

-

-

Tabela 5 – reportes por unidade aérea (sediadas em Taubaté-SP)
 
5. Espécie de aves envolvidas

Este último aspecto, devido a existência de poucos dados, é o que menos oferece números significativos, dos 68 (sessenta e oito) reportes há somente 22 (vinte e dois) em que foi informado o tipo de ave envolvida. A análise dos dados disponíveis apresenta somente duas espécies envolvidas o Urubus 63,64%, seguido da Andorinha 36,36% (tabela 6). De posse da informação de número absoluto de espécie de ave envolvida (urubu e andorinha) e fazendo uma ligação com o local em que ocorreram, conclui-se que o local onde vem ocorrendo maiores problemas com “vizinhos” pela divisão de espaço aéreo é SBTA, 77,28 % (tabela 7).

A Tabela 6. Apresenta o tipo de espécies que puderam ser observados nos eventos.

Tipo de ave

quantidade

Participação
 no total (%)

Acumulada (%)

Urubu (Família Cathartidae)

14

63,64

63,64

Andorinha (Família Hirundinidae)

08

36,36

100

Total

22

-

-

Tabela 6 – espécies envolvidas
 
A Tabela 7. Apresenta uma relação entre o número absoluto de eventos em que puderam ser confirmadas a espécie envolvida e o local onde ocorreram.

Aeródromo

Andorinha

Urubu

total

Participação
 no total (%)

Acumulada (%)

SBTA

3

14

17

77,28

77,28

SBES

3

0

03

13,64

90,91

Outros

2

0

02

9,09

100

Tabela 7 – espécies envolvidas X locais onde ocorreram
 
6. Discussão e Conclusões

 

A análise dos aspectos, baseados nas informações da lista de incidentes envolvendo eventos com pássaro do SIPAA/CAvEx e na pesquisa feita junto ao site do CENIPA, nos faz concluir que:
Diferente do que se esperava, o reporte de ocorrências com pássaros na AvEx desde sua recriação não aumentou com o passar dos anos, apesar da cultura de reporte de situações de risco através do preenchimento de relatório de prevenção (anteriormente chamado de relatório de perigo) ter aumentado significativamente; apesar da recriação da AvEx ser datado de 1986 e os reportes mais antigos que se tem registro serem datados de 1991, nunca houve um padrão de reportes de incidentes com pássaros que se possa considerar como uma linha lógica conforme podemos observar no gráfico abaixo.

Figura 02 - Reporte com o passar dos anos
 

Considerando o local onde ocorreram as colisões, verificamos que mais de 70% dos eventos reportados em mais de 21 anos de existência da AvEx ocorreram em nosso aeródromo, é importante ressaltar que o universo de reportes considerados para o estudo desse aspecto, foram os que por ocasião do reporte foi informado o aeródromo onde ocorreram, porém é razoável supor que, traçando um paralelo com os indicativos de eventos envolvendo pássaros no Brasil conforme observado no estudo feito pelo Maj Aviador da FAB Francisco José de Azevedo Morais, Gerente do Programa de Risco Aviário do CENIPA apresentado nesse artigo, em que 92,46% dos eventos reportados no Brasil de 2006 a 2010 terem ocorrido de 0 a 3000 pés (coincidentemente mesma altura de nosso circuito de tráfego), podemos sim, concluir que, esse perigo existe e “mora” dentro de nossa casa.
Quanto à espécie de aves envolvidas nos incidentes, devido a existência de poucos dados, apenas 22 (vinte e dois) dos 68 (sessenta e oito) em que foi informado o tipo de ave envolvida, podemos considerar apenas que os urubus e as andorinhas são os que mais causaram (e ainda causam) transtornos para os nossos voos principalmente aqui em SBTA
Por fim o reporte de eventos envolvendo pássaros na AvEx ainda precisa ser mais divulgado no âmbito das unidades, pois caminha em passos lentos, algumas unidades aéreas (ou melhor, alguns dos aeronavegantes dessas unidades aéreas), não consideram o reporte de incidente com pássaros importante; tem-se a impressão que desconhecem a existência de um Sistema Nacional de Gerenciamento de Risco Aviário e que através do reporte por meio de uma ficha que integra esse referido sistema (FICHA CENIPA 15) podem contribuir para minimizar esse risco em nossa atividade.
Esse artigo sugere que o assunto “Risco Aviário” seja abordado pelas SIPAA/OM em reuniões de segurança de voo ou nos briefing diários, pois é necessário admitir que o risco aviário existe e sempre existirá, somente nos cabe gerenciá-lo, pois sua eliminação não é possível. Isso demanda a participação de organizações fora da aviação.
Os efeitos... todos podemos sofrer, mesmo nunca tendo entrado em uma aeronave!

 
Cap Art Eric Torreiro de Carvalho Lessa
Adj RP CIAvEx
 
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