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OS PROCESSOS PARA A DEFINIÇÃO DAS LINHAS DE APROXIMAÇÃO E DE ENGAJAMENTO
E SUA INFLUÊNCIA NO PLANEJAMENTO DAS OPERAÇÕES AEROMÓVEIS
 

Maj Marcus Vinícius P. D. Piffer

 
INTRODUÇÃO
 
“...arriving time on target plus or minus 30 secondes.”
Lema do 160º Regimento de Aviação de Operações
Especiais do Exército Americano
 

Desde o início da formação de sua doutrina, a Aviação do Exército Brasileiro emprega os conceitos de Linha de Aproximação (LA) e Linha de Engajamento (LE) para balizar o tipo de voo tático que será realizado durante uma operação aeromóvel.

Aquém da Linha de Aproximação, as aeronaves realizam a navegação a baixa altura (NBA) que consiste em voar com uma proa constante, em uma altitude constante, um pouco acima da maior elevação do terreno encontrada naquele trecho da rota. Entre a Linha de Aproximação e a Linha de Engajamento, se realiza o voo de contorno. Neste tipo de voo, as aeronaves devem voar ainda com proa e altura em relação ao solo constantes, de modo a acompanhar o contorno do terreno – daí o nome desta técnica. Por fim, à frente da Linha de Engajamento, o tipo de voo realizado é o voo desenfiado. Neste voo, as tripulações voam o mais baixo possível, sem proa ou altura definidas, buscando ao máximo usar o modelado do terreno para encobrir o deslocamento do helicóptero.

Este artigo irá abordar como o uso dessas medidas de coordenação está definido na literatura de referência e como o seu traçado influencia o planejamento, concluindo sobre quais as alternativas possíveis para que haja uma maior flexibilidade para o planejador.

 

DESENVOLVIMENTO

A primeira questão que será abordada é a própria definição de cada uma das linhas. O manual mais recente que aborda esse assunto é o MD-33-M-XX Manual de Coordenação e Controle do Espaço Aéreo, editado pelo Ministério da Defesa em 2007. Ainda que na fase de “Minuta”, ele já é usado rotineiramente nos exercícios e traz as seguintes definições:

 
 

Linha de Aproximação: É uma medida de coordenação e controle da Av Ex representada por uma linha contínua, traçada em calcos de operações ou cartas topográficas da Av Ex sobre referências nítidas no terreno. A LA caracteriza as posições mais à frente até onde se pode realizar o voo a baixa altura sem ser detectado pelos radares inimigos. Desta forma seu traçado depende do terreno, da capacidade de detecção inimiga, e do andamento da campanha de superioridade aérea. As aeronaves de asas rotativas utilizam normalmente navegação à baixa altura (NBA) em rotas de voo para voar até essa linha.

Linha de Engajamento: É uma medida de coordenação e controle da Av Ex, representada por uma linha contínua, traçada em calcos de operações ou cartas topográficas sobre referências nítidas no terreno. Caracteriza as posições mais à frente até onde se pode realizar o voo de contorno, sem ser detectado pelos sistemas do Ini. As aeronaves de asas rotativas utilizam normalmente voo de contorno em rotas de voo para se deslocar até essa linha.

 

A definição da Linha de Aproximação é clara e se refere à detecção por radar. As posições até onde o radar tem condições de detectar uma aeronave em voo podem ser estimadas através do estudo do terreno ou com o uso de softwares especializados, como o Advanced Refractive Environmental Prediction System (AREPS)¹.

Já a definição da Linha de Engajamento deixa margem para dúvidas. É citada a “detecção por sistemas do inimigo”, sem especificá-los. Se forem incluídos, por exemplo, os radares como sistemas do inimigo, a Linha de Engajamento seria coincidente ou mesmo anterior à Linha de Aproximação, o que vai de encontro ao conceito geral dessas medidas.

Ao conversar com diversos pilotos, surgem algumas interpretações “informais” que, embora desprovidas de rigor, acabam sendo até mais adequadas que a prevista em manual. Segundo essas interpretações, a LE pode deve ser traçada:

          - no alcance de detecção dos radares de tiro inimigos;

          - no alcance de utilização do armamento da artilharia antiaérea inimiga;

          - pouco antes da linha de contato, no alcance de qualquer armamento da F Spf inimiga;

          - onde haja presença do inimigo, de modo a preservar o sigilo da operação.

Usando qualquer um desses conceitos informais, a LE pode ser traçada objetivamente, desde que se disponha das informações necessárias, ou traçada de maneira genérica, a partir de uma matriz doutrinária do inimigo.

A segunda questão é como o traçado da LA e da LE influencia o planejamento e o cumprimento da missão.

Pela própria descrição de cada uma das técnicas de voo supracitadas, é possível inferir as suas consequências para o planejamento da missão: durante voo NBA - devido à sua constância - é possível calcular com precisão a Hora Sobre o Objetivo (HSO) e também é fácil ater-se a este planejamento durante o voo. Um dado médio de planejamento do Exército americano é que se deve atingir os pontos de controle ao longo da rota com uma precisão de 30 segundos aquém ou além do horário previsto. Também é possível empregar em sua plenitude as diferentes formações em voo e chegar mais rápido ao objetivo, implicando em um menor gasto de combustível e menor tempo de exposição ao risco. Por outro lado, é a situação em que a Força de Helicópteros fica mais exposta à ação do inimigo.

Durante o voo de contorno, ainda é possível manter-se dentro dos parâmetros ideais de tempo, porém com uma maior dificuldade técnica na pilotagem e na manutenção das formações em voo.

Já durante o voo desenfiado, fruto das mudanças de direção constantes e da variação da velocidade em cada compartimento do terreno, a precisão na navegação e a manutenção da HSO ficam gravemente prejudicadas, além do tempo de deslocamento ser mais longo. Devido a essas incertezas, é uma situação comum para o comandante da Força de Helicópteros planejar seu deslocamento de maneira bastante conservadora e chegar próximo ao objetivo bem antes do previsto - algo como 15 ou 20 minutos de antecedência. Esse fato prejudica sobremaneira o sigilo da operação. Some-se a isso a impossibilidade de manter as formações durante a realização desse tipo de voo.

Pode-se notar nitidamente a relação inversa que existe entre a segurança tática de um lado da balança e a velocidade e precisão na navegação do outro.

O que outras forças armadas pensam em relação a este assunto? A Força Aérea Brasileira (FAB) e o Exército americano, que são fontes comuns de intercâmbio para a Aviação do Exército, não empregam essas medidas de coordenação. No caso da FAB, isso fica patente desde a definição das linhas, quando é citado no manual do Ministério da Defesa que são medidas “da AvEx”.

Essas duas forças armadas supracitadas empregam um conceito semelhante: a situação do inimigo é empregada para definir onde será realizado cada tipo de voo tático sem, contudo, demarcar uma medida de coordenação e controle impositiva.

Levando em consideração que a LA tem uma definição bastante clara e pode ser traçada com precisão e ainda que, realizando o voo de contorno, é possível cumprir precisamente os horários estabelecidos para a missão, resta fazer um estudo sobre qual a melhor definição para o traçado da LE.

Uma proposta viável é que a Linha de Engajamento seja variável para cada operação, de acordo com os fatores da decisão (Missão, Inimigo, Terreno, Meios e Tempo). Em uma determinada operação, o sigilo e a segurança podem ser mais importantes do que a velocidade e um horário preciso para chegar ao objetivo, exigindo um longo percurso em voo desenfiado. Em outra, em um setor onde o inimigo se apresente mais fraco, a velocidade e autonomia podem ser preponderantes, permitindo o voo de contorno mesmo já após a linha de contato.

Esse estudo ganha mais importância ainda nas missões cumpridas com óculos de visão noturna. O voo, após a LE, é realizado no primeiro grupo de altura, 150 ft sobre o terreno. Nessa situação, as aeronaves se mantém a maior parte do tempo acima da linha de crista das elevações, mas ainda assim seguindo o traçado irregular do voo desenfiado, aumentando demasiadamente a exposição das mesmas.

Sendo uma medida específica da Aviação do Exército que diz respeito apenas à técnica de voo empregada, uma alteração na definição dessa linha não irá gerar repercussão no sistema de coordenação e controle do espaço aéreo. As aeronaves permanecerão sempre abaixo da altitude de coordenação, essa sim uma medida que refletiria nos demais usuários.

Ainda por ser utilizada exclusivamente pela Aviação do Exército, tanto a LA quanto a LE devem ser traçadas pelo Elemento de Aviação do Exército (EAvEx) do mais alto nível presente, que deverá ser dotado das ferramentas e conhecimento necessário para tal.

_________________________
¹ O AREPS foi empregado para a determinação da Linha de Aproximação durante o exercício do Curso de Piloto de Combate de 2011. Talvez tenha sido a primeira vez na Aviação do Exército em que essa medida foi baseada em uma simulação matemática e, nesta ocasião, apresentou um traçado bem distinto daquele que as tripulações estão acostumadas a ver.

 
Figura 01 - Software AREPS
 
Figura 02 - Radar

CONCLUSÃO

A história está recheada de exemplos recentes (nos últimos 20 a 30 anos) em que helicópteros adentraram o espaço aéreo inimigo em voo de contorno, cumpriram suas missões e retornaram sem serem detectadas ou, ao menos, sem serem engajadas. No exercício do Curso de Piloto de Combate de 2010, as aeronaves em voo de contorno não foram detectadas pelo radar amigo em nenhuma ocasião.

Aumentar o trecho a ser voado usando essa técnica é o procedimento comum em exércitos que atualmente estão em combate. O voo de contorno traz benefícios nítidos na rapidez com que a missão será cumprida, na precisão da navegação e cumprimento do HSO, na diminuição da carga de trabalho das tripulações e no emprego das formações em voo.

Para que uma nova definição da Linha de Engajamento e consequente flexibilização do seu traçado sejam implementadas com sucesso é essencial o largo emprego das ferramentas de inteligência e guerra eletrônica disponíveis. Um estudo mal realizado dos fatores que determinarão esse traçado pode conduzir ao fracasso da missão, devido a uma detecção precoce ou exposição desnecessária ao fogo inimigo.

O oposto dessa situação também é verdadeiro: superestimar a capacidade de detecção e reação do inimigo nos obriga a planejar de maneira mais complexa, criando dificuldades onde elas não existem. Ao invés de simplesmente aumentar a segurança da operação, um planejamento excessivamente conservador aumenta o tempo de exposição ao risco e a erros das tripulações devido às demandas técnicas mais exigentes.

Este texto se baseou em informações da literatura disponível e em exercícios conduzidos durante cursos no CIAvEx. A comprovação dos conceitos aqui expostos depende da realização de exercícios em campanha, com a presença efetiva de tropas e radares no terreno. Exercícios de simulação de combate serão úteis para validar os processo para a definição do traçado da Linha de Engajamento.

 
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