Página Principal      -     Página Anterior
 
O FATOR MATERIAL NA AÇÃO INICIAL DE UMA INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES AERONÁUTICOS
 

1. Introdução

Visando o desenvolvimento de métodos mais seguros para o domínio dos céus, a comunidade de aviação melhora a cada dia seus procedimentos a partir de experiências vividas, baseada numa sinergia entre a disciplina e o conhecimento técnico, fundamentais para o exercício da atividade de voo. Mas o aprendizado que busca a melhoria contínua baseia-se em parte na ciência e em parte no insucesso da combinação “o homem, o meio e a máquina”. A condição mais indesejável de trabalho técnico para o profissional da aviação é aquela que envolve o incidente ou o acidente aeronáutico. Isso, mormente, porque esse tipo de ocorrência está relacionada com danos pessoais, muitas vezes fatais, o que traz ao homem do ar todo um misto de emoções, que serão conduzidas pelos restos das vidas daqueles que participam diretamente de lides de tal natureza.

Não obstante o desagradável aspecto emocional das investigações de incidentes ou de acidentes aeronáuticos, tais pesquisas trazem consigo uma grandiosa e bela finalidade: compreender a dinâmica da anormalidade e levantar dados que visem prevenir futuras falhas – humanas ou materiais – com potencial para conduzir os sistemas aeronáuticos ao colapso.

E a pesquisa da dinâmica do infortúnio é desenvolvida a partir de uma fase da investigação denominada “ação inicial”, sobre a qual o presente artigo explorará alguns aspectos.

Portanto, as seções seguintes terão por finalidade tratar, de maneira muito breve, sobre aspectos ligados à ação inicial devida ao Fator Material, não pretendendo esgotar o assunto, mas estimular a sua pesquisa por todos aqueles interessados neste campo multidisciplinar das ciências aeronáuticas.

2. Definições

A ação inicial é, como o próprio termo já sugere, o primeiro contato que a equipe de investigação toma com o sítio do acidente (ou do incidente), na busca de informações que servirão de suporte fundamental para as duas próximas fases da investigação: a elaboração do relatório preliminar e a elaboração do relatório final. Enquanto o relatório preliminar busca o aprofundamento e a exposição dos aspectos técnicos para o levantamento dos fatores contribuintes e para a geração de recomendações, o relatório final consolida o aprendizado, os divulga oficialmente e emite as recomendações para a comunidade aeronáutica, de maneira tão ostensiva quanto possível.

A norma NSCA 3-1, que trata da conceituação dos vocábulos, expressões e siglas de uso no SIPAER, define a ação inicial com sendo “o conjunto de medidas preliminares adotadas pelo Comando Investigador (CI) tão logo tome conhecimento de uma ocorrência. Tem como objetivos a coleta e/ou confirmação de dados referentes à ocorrência; a preservação de indícios; a desinterdição da pista; a apuração inicial de danos causados a terceiros; e o levantamento de outras informações necessárias ao processo de investigação”.

Nos acidentes, não raras vezes a equipe de investigação se depara com um cenário caótico, que pode ocorrer em áreas habitadas ou remotas. Isso demandará uma série de cuidados para a preservação dos vestígios e da saúde dos presentes.

 
Figura 1: Exemplos de ação inicial (Fonte: NSCA 3-1)
 

Tipifica-se genericamente um “acidente aeronáutico”, à luz da NSCA 3-1, como sendo “uma ocorrência relacionada com a operação da aeronave, havida entre o momento em que uma pessoa nela embarque com a intenção de realizar voo até o momento em que todas as pessoas tenham dela desembarcado e durante o qual, pelo menos uma das situações” descritas na Tabela 1, ocorra.

 
Tabela 1: Tipificação do acidente aeronáutico (NSCA 3-1)
Uma pessoa sofra lesão grave ou morra como resultado de:
Estar na aeronave;
NOTA - Exceção é feita quando as lesões resultem de causas naturais, forem autoinfligidas ou infligidas por terceiros, ou forem causadas a pessoas que embarcaram clandestinamente e se acomodaram em área que não as destinadas aos passageiros e tripulantes.
ou
Contato direto com qualquer parte da aeronave, incluindo aquelas que dela tenham se desprendido;
ou
Submetida à exposição direta do sopro de hélice, rotor ou escapamento de jato, ou às suas consequências.
ou
A aeronave sofra dano ou falha estrutural que:
Afete adversamente a resistência estrutural, o seu desempenho ou as suas características de voo;
NOTA - Exceção é feita para falha ou danos limitados ao motor, suas carenagens ou acessórios; ou para danos limitados a hélices, pontas de asa, antenas, pneus, freios, carenagens do trem, amassamentos leves e pequenas perfurações no revestimento da aeronave.
e
Normalmente exija a realização de grande reparo ou a substituição do componente afetado.
ou
A aeronave seja considerada desaparecida ou completamente inacessível.
   

Há também outras classificações de ocorrências, que receberão destaque nesta seção, por serem possíveis alvos de investigação:

• Incidente Aeronáutico – toda ocorrência associada à operação de uma aeronave que não chegue a se caracterizar como um acidente aeronáutico, mas que afete ou possa afetar a segurança da operação.

• Incidente Grave – Incidente ocorrido sob circunstâncias em que um acidente quase ocorreu. A diferença entre o incidente grave e o acidente está apenas nas consequências.

• Ocorrência de solo – Todo incidente, envolvendo aeronave no solo, do qual resulte dano ou lesão, desde que não haja intenção de realizar voo, ou, havendo esta intenção, o(s) fato(s) motivador(es) esteja(m) diretamente relacionado(s) aos serviços de rampa, aí incluídos os de apoio e infraestrutura aeroportuários, e não tenha(m) tido qualquer contribuição da movimentação da aeronave por meios próprios ou da operação de qualquer um de seus sistemas.

 
Figura 2: Exemplo de ocorrência de solo
 

Como citado, as anormalidades que conduzem ao colapso de um sistema aeronáutico devem-se ao descompasso entre as medidas adotadas pela tripulação, as condições meteorológicas e o adequado funcionamento do equipamento. Uma investigação buscará fatores contribuintes para o acidente a partir da pesquisa sobre os fatores humanos (aspectos médico, psicológico e operacional) e sobre o fator material. A saber, o fator material é a “área de abordagem da segurança operacional que se refere à aeronave, incluindo seus componentes, e equipamentos e sistemas de tecnologia da informação empregados no controle do espaço aéreo, nos seus aspectos de projeto, de fabricação, de manuseio do material e de falhas não relacionadas a serviço de manutenção” (NSCA 3-1).

Também cumpre destacar nesta seção de definições um termo muito usual no meio aeronáutico, tão conhecido pela sua sigla quanto pelo seu nome: o FOD. A NSCA 3-1 define FOD como sendo o “dano provocado à aeronave, geralmente ao grupo motopropulsor ou aos mecanismos de comando de voo, por ação de corpo estranho. É bastante conhecido como FOD (acrônimo derivado do inglês: Foreign Object Damage), sendo muitas vezes este conceito empregado equivocadamente como sendo o próprio corpo estranho causador do dano”. A Federal Aviation Administration (FAA) em sua Advisory Circular AC 150/5210-24, de 30 SET 10, que versa sobre “Airport Foreign Object Debris (FOD) Management, distingue-se um pouco da NSCA 3-1 em termos de emprego da sigla FOD. Esta define o FOD, Foreign Object Debris, como sendo, em tradução livre, “qualquer objeto, vivo ou não, posicionado em local inapropriado do ambiente do aeródromo que tenha a capacidade de ferir pessoal ou danificar aeronave”. Faz também na mesma norma menção ao dano causado por FOD (Foreign Object Debris Damage) e ressalta que busca esforços com outras organizações de aviação internacional no sentido de padronizar a definição de FOD.

A investigação de acidente aeronáutico será desenvolvida por uma Comissão de Investigação (CIAA), composta pelos seguintes integrantes: Presidente, Coordenador, Fator Material e Fatores Humanos (Médico, Operacional e Psicológico), segundo a norma de Investigação de Acidente Aeronáutico, Incidente Aeronáutico e Ocorrência de Solo (NSCA 3-6). O investigador-encarregado (IIC, de Investigator in Charge), ou o presidente da CIAA, poderá solicitar ao Comando Investigador a designação de elementos necessários à investigação (exemplo: engenheiros, especialistas em tráfego aéreo, representante técnico do fabricante, etc). Todos os elementos necessários e disponíveis para a elucidação do ocorrido podem e devem ser convidados a participar da investigação, pois as investigações para a prevenção – costuma-se dizer – “não têm cores, nem bandeiras”.

3. Boas Práticas para a Condução de uma Ação Inicial, no quesito “Fator Material”

A ação inicial é uma fase crítica da investigação, visto que fornecerá dados preliminares que só poderão ser coletados no local e no instante da ocorrência. A remoção das peças do local do acidente, por exemplo, poderá implicar em perda de informações, pois suas posições relativamente aos destroços são relevantes para a melhor compreensão do sinistro. O tempo transcorrido desde o ocorrido até a coleta dos dados também fará com que certos vestígios sejam perdidos, por ação de fatores externos, como o fogo, a corrosão, as intempéries, a ação antrópica clandestina (saqueadores) ou não (curiosos, leigos), a presença de animais, etc. Logo, a presteza é fundamental para o êxito da investigação.

Então, é de se esperar que uma ação inicial seja feita nas condições mais inesperadas possíveis, em local habitado ou não, sob condições climáticas desfavoráveis, por tempo indeterminado. Todas essas incertezas requerem que a equipe de investigação esteja permanentemente aprestada com itens necessários à sua área de conhecimento (o “kit de ação inicial”), bem como com fardos devidamente adequados a operações de, pelo menos, 72 horas, para a manutenção da sua integridade física e mental.

Naturalmente, a ocorrência de tais acidentes desperta a curiosidade e a ansiedade de muitas pessoas. Em particular a imprensa, no intuito de cumprir com o seu papel profissional, deseja ser alimentada com o máximo de informações, o que conflita não só com os conceitos básicos relativos ao sigilo da investigação, como também com aspectos humanitários relacionados aos entes próximos aos envolvidos com o acidente. Isso demanda um bom senso por parte da equipe de ação inicial em fornecer não mais do que o mínimo necessário de informações no local, deixando as informações oficiais sob a responsabilidade do CComSEx, para os casos envolvendo aeronaves do Exército Brasileiro. Uma sugestão para contato com a imprensa, pode ser o seguinte:

“Sou “fulano de tal”, trabalho na unidade X, estou encarregado desta Ação Inicial. A presente ocorrência trata-se de uma aeronave: Modelo/ Tipo/ Nacionalidade/ Matrícula; nome da OM; data/hora e local da ocorrência; Local de origem e destino; Número e tripulantes e passageiros a bordo; e providências que já foram tomadas pelo CAvEx e/ou pelas autoridades locais. Informações complementares serão disponibilizadas no mais curto espaço de tempo possível pela autoridade competente (CCOMSEX)”.

Durante esse “speech básico”, não deverão ser divulgadas quaisquer informações pessoais a respeito dos envolvidos, ou especulações sobre os fatores contribuintes. Até mesmo eventuais semblantes, como sorrisos por exemplo, poderão ser indevidamente explorados pela equipe jornalística, durante uma cobertura fotográfica do crash site. Deve-se então evitar demonstrar emoções!

A segurança da equipe é de fundamental importância, haja vista que juntamente aos destroços poderá haver objetos cortantes, pontiagudos, sistemas pressurizados, explosivos, combustíveis, gases tóxicos (ressalte-se aqui que os gases da queima dos materiais compósitos podem ser cancerígenos), componentes radioativos, dentre outros. Portanto, a equipe de investigação deverá trabalhar com a presença de especialistas, preferencialmente com a participação de representantes do fabricante (Go Team), com a finalidade de não gerar um novo acidente.

 
Figura 3: Presença de populares no crash site
 

As comunicações deverão ser mantidas operantes durante toda a operação, mesmo que seja necessário o uso de meios comerciais (telefones celulares, internet).

É importante que as autoridades locais sejam cooperativas com as atividades de investigação. Por exemplo, o Corpo de Bombeiros deverá ser pró-ativo no sentido de prevenir acidentes envolvendo as redes elétricas ou as tubulações de gás, enquanto as equipes policiais serão fortes aliadas na preservação dos vestígios e na elaboração dos laudos cadavéricos, devidos aos seus objetivos específicos para fins de investigação do acidente aeronáutico (exame de alcoolemia, inalação de gases, etc).

A desenergização da aeronave deverá ser feita imediatamente, a fim de não se perderem dados gravados nos sistemas de FDR e CVR, bem como para prevenir possíveis incêndios. Todavia, nenhum disjuntor deverá ter sua posição modificada, pois esse é um aspecto relevante durante a investigação.

Componentes com características de sobrevivência (CVR, FDR) deverão ser prioritariamente encontrados, identificados (fotografados em todos os seus detalhes), cuidadosamente desacoplados (com o auxílio do fabricante, se possível) e encaminhados ao órgão investigador. Durante o transporte, se por meios aéreos, o piloto da aeronave deverá reportar a presença deste equipamento, de maneira que em caso de acidente com a aeronave transportadora, as equipes saibam que haverá um FDR a mais a ser buscado. Especial atenção deverá ser dada a possíveis componentes com formato semelhante. Há relatos de ter sido encontrada uma cafeteira e enviada para investigação, como se FDR fosse!

 
Figura 4: CVR acidentado
 
Figura 5: Cafeteira
 
Em caso de submersão do FDR/CVR, lavar com água destilada e manter o componente submerso.
 
Figura 6: Equipamento mantido em ambiente aquoso (AF 447)
 

Alguns equipamentos sem características de sobrevivência (GPS portátil, FADEC), dependendo da situação, também poderão fornecer informações relevantes. Os fabricantes poderão apoiar a coleta de dados em tais equipamentos.

A posição das pás, em se tratando de aeronaves de asas rotativas, deverão ser identificadas, pois poderão oferecer indícios da intenção da tripulação antes do acidente. Do mesmo modo, os instrumentos devem ser mantidos intactos, ou minimamente movimentados, pois guardam consigo a memória das condições imediatamente anteriores ao impacto.

 
Figura 7: Posição dos instrumentos
 
Os registros fotográficos deverão ser cuidadosos, pois o mau emprego da técnica poderá ocasionar a perda de informações muito importantes.
 
Figura 8: Reflexo do flash impedindo a leitura do instrumento
 
Não menos importante que encontrar os gravadores de dados e de voz, é obter todos os fragmentos das pás dos rotores principal e de cauda. Importante destacar que a distribuição dos fragmentos de toda a aeronave no terreno deverão ser mapeados e referenciados por meio de um croquis, segundo técnicas que fogem ao escopo deste artigo.
 
Figura 9: Exemplos de croquis
 
É humanamente impossível memorizar todas as peças da aeronave, mesmo que se trate de um especialista experimentado. Recomenda-se, portanto, conduzir desenhos técnicos constantes dos manuais para o local do acidente, para que o processo de registro documental seja eficiente, e para verificar se todos os componentes estão presentes. A perda de algum deles durante o voo pode ter sido fundamental para a cadeia de eventos.
 
Figura 10: Presença de material não pertencente à aeronave
 
A queda sem potência apresenta características que a diferenciam da queda com potência. Por exemplo, danos às palhetas do motor em giro com grande velocidade são claramente identificados, pois o despalhetamento é total, enquanto quando sem potência os danos às palhetas ocorrem de maneira localizada.
 
Figura 11: Indícios de despalhetamento com potência (esq) e sem potência (dir)
 
A condução de um boroscópio para a ação inicial pode ser útil, para a observação de regiões internas do motor, inacessíveis à vista desarmada.
 
Figura 12: Uso do boroscópio
 

4. Riscos ao Investigador

Muitos são os riscos que a equipe de investigação pode se submeter, como já foi citado. Além dos cuidados já discutidos com o equipamento e com os perigos potenciais no crash site, os riscos biológicos também devem ser considerados como presentes, mesmo nos casos de acidentes sem sobreviventes. Segundo a National Transportation Safety Board (NTSB), as doenças transmissíveis pelos restos mortais mais perigosas são a Hepatite e a AIDS. Pesquisas revelam que em uma aeronave com 100 pessoas, em média, 1 pessoa será portadora do vírus da AIDS, 6 pessoas portarão a Hepatite B e 3, a Hepatite C. Em uma colher de chá de sangue contaminado, serão contadas de 5 a 10 partículas virais de AIDS e aproximadamente 500 milhões de partículas de HBV (vírus da Hepatite B). Para prevenir a contaminação, a ICAO recomenda a vacinação da equipe de investigação contra a febre amarela, tifo, hepatite B, meningite, tétano e difteria.

Durante a coleta de dados, no sítio, a equipe não deverá se alimentar, ingerir líquidos ou expor mucosas e ferimentos, sob risco de facilitar a contaminação.

 
Figura 13: Restos mortais expostos
 
Figura 14: Proteção contra riscos biológicos
 

Quanto ao risco radiológico, é importante ressaltar que muitos sistemas aeroespaciais fazem uso de componentes radioativos. Os mais comuns são:

• TÓRIO (Th) – usado em larga escala em componentes de motores de aeronaves (convencionais e reação), em ligas de magnésio e caixas de acessórios de helicópteros e de aeronaves de asa fixa. Seu uso tem sido reduzido pela indústria aeronáutica nos últimos anos, porém é possível encontrá-lo aplicado em diversas aeronaves ao redor do mundo.

• AMERÍCIO (Am) – Sistema FLIR;

• CRIPTÔNIO (Kr) – Sensores de nível de óleo;

• ESTRÔNCIO (Sr) – Sensores de detecção de gelo;

• TRÍTIO (3H) – Em aviação também conhecido como “beta lights”. Tem a sua utilização amplamente aplicada em aeronaves civis para indicar saídas de emergência e iluminação de instrumentos de aeronaves militares. Uma típica “beta light” pode conter um total de 20 Ci (Ci- unidade de radioatividade) de gás trítio que, quando quebrada e exposta em caso de um acidente aeronáutico, pode resultar uma dose acima de 1/10 da aceitável para um ser humano no período de um ano (ICAO, 2008);

• URÂNIO (Ur) empobrecido é mais pesado que o Pb (Chumbo) e é utilizado como contrapeso para o balanceamento de superfícies de comando em grandes Anv (CNEN).

 
Figura 15: Beta light
 

5. Preservação dos Vestígios

Alguns cuidados adicionais deverão ser tomados para que os vestígios permaneçam inalterados até uma fase posterior da investigação, quando os componentes serão levados para o laboratório. As lâmpadas de bulbos, por exemplo, podem oferecer informações sobre as luzes do painel de instrumentos no momento imediatamente anterior ao choque. Uma vez que o material do filamento experimenta uma transição dúctil-frágil, se a lâmpada estiver acesa durante o choque, o material se deformará com certa ductilidade, devido à alta temperatura do filamento. Caso a lâmpada esteja “fria” durante no momento do choque, a ruptura do filamento ocorrerá de maneira frágil (quebradiço).

 
Figura 16: Filamento de lâmpada de bulbo após deformação plástica quando aquecida
 
A posição das chaves poderá revelar os procedimentos adotados pela tripulação durante a ocorrência.
 
Figura 17: Posição e tipo de chave
 
As pontas dos condutores elétricos também podem dar indicações de panes elétricas, como curtos circuitos, sobrecargas etc. Portanto, sua preservação deverá ser considerada na coleta de dados.
 
 
Contatos elétricos submetidos a sobrecargas ou mau contato apresentam características peculiares e, portanto, são valiosas fontes de informações para a investigação.
 
Figura 18: Sobrecarga em contato elétrico
 

A fim de prevenir a oxidação das superfícies fraturadas, ou até mesmo com o objetivo de manter as marcas causadas pelo acidente, não se devem lavar as peças. Todavia, se for absolutamente necessário à preservação da superfície fraturada, deve-se fazer a limpeza com ar comprimido, protegendo-a logo em seguida com uma camada de esmalte de unha. Tal procedimento deverá ser relatado para que o laboratorista tome as devidas medidas contra as modificações introduzidas.

As peças seccionadas não deverão ser remontadas, em nenhuma hipótese, sob pena de se descaracterizar a superfície de fratura e mascarar o resultado da análise microscópica.

A coleta de fluidos lubrificantes e de combustíveis deverá ser feita com a máxima cautela, haja vista a facilidade que tais compostos possuem de serem contaminados. Toda a coleta deverá ser devidamente identificada (fluido tal, coletado em tal local da aeronave) e se for feita em ambiente já contaminado, esta informação deverá ser repassada ao laboratorista (combustível coletado sob chuva, por exemplo). A quantidade adequada deverá ser de 1 litro, em frasco âmbar identificado (etiquetado), a fim de se evitar a degradação da amostra por ação da luz ultravioleta.

 
Figura 19: Frasco âmbar
 

6. Conclusão

O objetivo do presente artigo foi o de chamar a atenção para a complexidade de uma investigação de acidente aeronáutico. A ação inicial, não bastando ser complexa, é multidisciplinar, realizada sob as piores condições possíveis e é uma fase de fundamental importância para o restante da investigação. Em virtude de todos os fatores apresentados, fica clara a necessidade de elementos altamente capacitados e preparados para lidar corretamente com todas as pressões num momento inesperado de crise.

Naturalmente, os dados relatados são apenas uma amostra de uma série de muitos outros que devem ser considerados numa ação inicial, pois cada acidente apresenta características particulares. Face à repetição dos fatores contribuintes aos acidentes, a experiência em investigações é fundamental para que “a pergunta certa seja feita à pessoa certa na hora certa”.

Em instituições como o Exército Brasileiro, cujo índice de acidentes é o menor possível, a ausência desse tipo de ocorrência demanda que as equipes destinadas às investigações sejam permanentemente submetidas a reciclagens, para que os conhecimentos permaneçam ativos e encadeados na memória. Nesse sentido, a presença do fabricante das aeronaves e de especialistas é muito útil para ambas as partes, uma vez que a imagem do fabricante fica maculada após problemas em que se evidenciem deficiências de natureza material.

 

ALEXANDRE GALO LOPES – Cap QEM
Elemento Credenciado – Fator Material (SIPAER)

 
Página Principal      -     Página Anterior
 
Palavras do Cmt      |     Participação Especial      |    SMA      |     DINFOR      |     CFS