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PREPARANDO HELICÓPTEROS PARA O COMBATE ASSIMÉTRICO E CONTRA-INSURGÊNCIA
 

Maj Inf Marcus Vinícius Pinheiro Dutra Piffer


"Não há dúvidas de que o papel do helicóptero no combate moderno - seja na Chechênia, no Afeganistão ou no
Iraque - permanece vital e decisivo como sempre."

Alexander Mladenov

 

Conflitos passados e atuais

Desde meados da década de 1950, nos conflitos coloniais da Argélia, pôde-se comprovar o papel de destaque que o helicóptero desempenha nos combates assimétricos. A possibilidade de deslocar tropas leves rapidamente para qualquer parte do teatro de operações e de evacuar feridos a partir de terrenos impraticáveis a outros meios de transporte foi o principal fator que impulsionou o emprego deste tipo de aeronave.

Mais tarde, durante a Guerra do Vietnã, o emprego do helicóptero se tornou tão maciço e numa variedade tão grande de missões que o Bell UH-1 Huey tornou-se um símbolo daquele conflito. No
Vietnã, também surgiram os primeiros helicópteros armados. Inicialmente foram aeronaves UH-1 adaptadas com diversas combinações de metralhadoras, foguetes e lançadores de granadas. Em pouco tempo surgiu o AH-1 Cobra, que definiu qual seria o design de praticamente todos os helicópteros de ataque até os dias de hoje: fuselagem estreita, com dois tripulantes em tandem (o piloto no assento de trás e o atirador no assento da frente) e as armas instaladas em pequenas asas nas laterais da aeronave.

Este artigo tratará sobre os itens que devem ser levados em consideração ao preparar um helicóptero para o combate assimétrico e para o combate de contra-insurgência num cenário atual.

 
 

Como armar as aeronaves?

Segundo o Gen PINTO SILVA, Ex-Comandante de Operações Terrestres, “no combate assimétrico, as ações de fogo haverão de ser: de precisão, seletivas, e, fundamentalmente, efetuadas de plataformas aéreas, tripuladas ou não, utilizando projéteis guiados” . Daí já se nota a grande importância dos helicópteros armados neste tipo de combate.

Os mesmos sistemas de armas empregados nas aeronaves durante o combate convencional também podem ser empregados com eficiência no combate assimétrico e na contra-insurgência. A experiência adquirida pelos países que enfrentaram ou enfrentam esse tipo de combate nos últimos anos nos mostra porém algumas particularidades deste emprego.

Os mísseis anti-carro lançados por helicópteros foram desenvolvidos inicialmente para um conflito convencional em larga escala. Os sistemas de direção de tiro podem engajar diversos alvos simultaneamente, reconhecer assinaturas infravermelhas da maioria dos alvos, diferenciar uma viatura blindada sobre lagartas de uma viatura sobre rodas e ainda diferenciar os alvos reais das contra-medidas ou flares. Porém, o sistema não tem como diferenciar um veículo de um civil inocente de um veículo de insurgentes. Daí vem a principal limitação do emprego de mísseis: a necessidade de se manter o “man-in-the-loop”, mantendo o contato visual com o alvo e o guiamento do míssil desde o disparo até o impacto, sob a pena de causar danos colaterais.

Dessa forma, os mísseis anti-carro do tipo fire-and-forget ou guiados por radar, como o AGM-114L Longbow Hellfire americano, não se mostram adequados a este tipo de combate. Esse fato levou o Exército americano a retirar, a partir de meados de 2006, os radares de aquisição de alvos dos helicópteros AH-64D Apache Longbow que operam no Iraque e Afeganistão. Além de não estarem sendo empregados continuamente, a diminuição do peso da aeronave foi considerável.

Por outro lado, mísseis com guiamento por sistemas eletro-óticos, como o franco-germânico HOT, ou por laser, como o 9K121 Vikhr russo, atendem perfeitamente ao requisito do “man-in-the-loop”.

 
 

Os mísseis guiados por laser tem ainda uma outra vantagem: podem ser lançados através da técnica de LOAL (Lock On After Launch), sem contato visual com o alvo. Após o lançamento, o sistema de guiamento do míssil irá buscar o retorno do laser iluminando o alvo. Desta maneira, o míssil pode ser disparado de uma posição coberta, no limite do alcance do míssil, mantendo o sigilo até o último momento. A iluminação do alvo com o laser pode ser feita pela própria aeronave, por outra aeronave ou mesmo pela força de superfície.

Os mísseis com guiamento por sistemas eletro-óticos são guiados exclusivamente pelo seu lançador (por rádio, fio ou fibra ótica). A desvantagem é que a aeronave fica exposta, porém os mísseis guiados por fio ou fibra ótica são imunes a qualquer tipo de interferência ou contra-medidas.

Devido à natureza dos alvos comumente encontrados (viaturas não blindadas, pequenos grupos de pessoas expostos ou entocados no interior de bunkers ou construções), os mísseis com cabeças-de-guerra anti-carro ou auto-explosivos não foram tão efetivos. As ogivas que apresentaram melhor desempenho nos conflitos recentes foram as termobáricas (praticamente todos os mísseis modernos dispõe desse tipo de ogiva).

Além dos mísseis, as aeronaves invariavelmente voam armadas com foguetes não-guiados, que são baratos, efetivos e bastante versáteis, com uma grande variedade de cabeças-de-guerra disponíveis.

No Iraque e no Afeganistão, os helicópteros OH-58D Kiowa Warrior normalmente voam armados com uma metralhadora .50 e um lançador com sete foguetes Hydra 70 mm (quatro deles com cabeça-de-guerra de alto-explosivo e os outros três com flechettes). Dependendo da missão, uma destas armas pode ser substituída por dois mísseis AGM-114 Hellfire II, guiados por laser. Os AH-64 Apache voam com diversas combinações de armas, de acordo com a missão, normalmente com uma configuração mista de mísseis Hellfire e lançadores de 19 foguetes Hydra 70 mm, além do canhão 30 mm. montado no nariz.

Na Chechênia, os helicópteros Mi-24 Hind russos voavam em seções de duas aeronaves, uma delas armadas com um canhão 30 mm de dois canos fixo na lateral da aeronave e outra com uma metralhadora .50 de três canos, montada no nariz. Ambas as aeronaves carregavam, normalmente, dois lançadores de 20 foguetes 80 mm e até quatro mísseis 9K114 Shturm (dois com cabeças-de-guerra anti-carro e dois com cabeças-de-guerra termobáricas). Os helicópteros Ka-50 Black Shark, participaram experimentalmente do conflito na Chechênia e voavam com uma configuração de armas semelhante, substituindo os mísseis Shturm pelos Vikhr, mais modernos.

 
 

Como proteger as aeronaves?

“Qualquer aeronave pode ser abatida por um único projetil bem colocado.”

A frase acima, dita por um piloto de OH-58D Kiowa Warrior, demonstra bem a vulnerabilidade dos helicópteros no campo de batalha moderno.

Um levantamento estatístico feito pela BAE Systems mostrou que, desde 1973 até meados de 2006, 400 helicópteros foram abatidos em combate ao redor do mundo, de acordo com a tabela que se segue:

 
Tipo de armamento
Porcentagem de abates
Mísseis Superfície-Ar e Ar-Ar guiados por IR
53,00%
Artilharia Anti_Aérea de tubo, Canhões de outras aeronaves e RPG 3
32,00%
Causas desconhecidas
14,00%
Mísseis Superfície-Ar e Ar-Ar guiados por Radar
1,00%
Tabela 1: Abates de helicópteros de 1973 a 2006 (AFM, Nov 06)
 
Pode-se notar que a grande maioria dos abates de helicópteros foram realizados por armas sem grande tecnologia incorporada e que necessitam de visada direta sobre o alvo (canhões, RPG, armas não-guiadas e manpads).
 

Assim, medidas contra armas guiadas por infravermelho, como flares e supressores de calor nos escapamentos dos motores, são desejáveis. Medidas contra armas guiadas por radar (como RWR e dispensadores de chaff) provavelmente terão muito pouco ou nenhum emprego no combate de contra-insurgência.

Apesar dos helicópteros mais modernos disporem de blindagens, estas não podem ser aplicadas em todas as partes da aeronave, se restringindo a alguns componentes como motores, caixa de transmissão e postos de pilotagem. Certas estruturas, como a cabeça do rotor ou o cone de cauda, são bastante sensíveis a impactos diretos e, praticamente, não permitem a instalação de placas de blindagem para protegê-las.

 
 

Mas a aeronave não é protegida apenas pela blindagem e contra-medidas. Na verdade, a sobrevivência do helicóptero em combate está muito mais relacionada à capacidade de não ser detectada visualmente.

A doutrina de emprego, a segurança operacional, a técnica de vôo, o conhecimento sobre o armamento de que o inimigo dispõe e as técnicas, táticas e procedimentos (TTP) empregados nas operações terão um peso muito maior na sobrevivência das aeronaves do que o modelo ou recursos da aeronave em si.

Combate noturno

O vôo com óculos de visão noturna e uma aeronave equipada com dispositivos de observação termal e de designação de alvos por laser trazem uma vantagem inestimável no combate assimétrico e na contra-insurgência. Como já foi dito anteriormente, o helicóptero aumenta em muito suas chances de sobrevivência simplesmente por não ser visto.

 

Uma gíria dos pilotos do Exército americano que estão atualmente no Iraque chama o período diurno de “Jihad Shift” (“vez da Jihad”), quando os helicópteros têm que voar baixo e a grande velocidade, expondo-se o mínimo possível. Já a noite é chamada de “Hunting Shift”, ou a “vez do Caçador”, quando as aeronaves podem orbitar por várias horas a grande altura sobre as cidades, buscando alvos praticamente sem risco de serem atingidas.

Os russos, apesar de começarem a voar e combater à noite bem depois que os exércitos ocidentais mais desenvolvidos, também puderam comprovar a eficácia deste tipo de operação durante suas campanhas na Chechênia. Cada aeronave russa
equipada para visão noturna (normalmente um Mi-8MTKO) voava entre seis e oito horas por noite sobre locais conhecidamente ocupados pela insurgência. De meados de 2000 até meados de 2002, as aeronaves equipadas para visão noturna localizaram mais de dois mil alvos e, segundo os russos, mil e duzentos deles foram destruídos por fogos de artilharia de tubo e de foguete guiados por essas aeronaves.

 
 
 

Conclusão

“A verdade é que, dado um certo tempo, um oponente astuto
descobrirá maneiras de minimizar uma vantagem tecnológica.”

David G. Tyler

Mesmo com as fronteiras de seus países fortemente vigiadas e cada vez com menos acesso a armamentos modernos, as insurgências iraquiana, afegã e chechena continuam aprimorando suas táticas, abatendo aeronaves e infligindo baixas a forças armadas numérica e tecnologicamente superiores.

Após abordar os diversos aspectos da preparação de uma aeronave para o combate assimétrico e para a contra-insurgência, nota-se que ele pouco ou nada difere da preparação para o combate regular. Os mesmos armamentos, os mesmos componentes e as mesmas contra-medidas podem ser usadas.

A diferença entre o sucesso ou não de uma operação aeromóvel ou mesmo entre a sobrevivência ou não da aeronave reside justamente na escolha de quais itens serão usados na missão e, principalmente, em como esses itens serão empregados.

 

Referências Bibliográficas:

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Disponível em <http://www.defense-update.com/features/du-2-07/feature_attack_helicopters.htm>. Acesso em 19 de abril de 2008.

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<http://www.michaelyon-online.com/index.php?option=com_content&view=article&id=474:guitar-heroes&catid=34:dispatches&Itemid=55>. Acesso em 20 de abril de 2008.

 
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